Energia eólica em Portugal: Depois de Sócrates nada foi como antes
A produção de energia eólica em Portugal tem crescido na última década a um ritmo que nenhuma outra fonte de electricidade conseguiu. Em Junho, a produção anualizada de electricidade a partir do vento atingiu 11,5 terawatts hora (TWh), mais de 22% de toda a energia eléctrica consumida no País. Olhar para trás permite ver que há um antes e um depois de Sócrates no que se refere à exploração do potencial eólico nacional. Entre os apoiantes indefectíveis desta aposta e os seus críticos, há um espaço quase interminável de argumentos.
Os números atestam o disparo que a energia eólica teve em Portugal na última década. Em 2003, indicam as estatísticas da Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG), o País produziu 494 gigawatts hora (GWh), o que nesse ano correspondeu a 1% da produção eléctrica nacional. Nesse ano o vento estava longe de ser um aliado de peso na matriz de energias limpas. Com mais de 16.000 GWh (ou 16 TWh), a energia hidroeléctrica era a rainha desse campeonato. E a biomassa contribuía com mais do triplo da eólica.
Em 2005, ano da chegada de José Sócrates a primeiro-ministro, acontece o ponto de viragem. Nesse ano a produção eólica atinge 1,77 TWh, quase 4% do consumo eléctrico nacional. E a partir daí o crescimento foi galopante. Em 2008 o vento já representava mais de 10% da produção de electricidade do País. Somente em 2011 a ascensão eólica sofre uma ligeira travagem, para retomar o crescimento pujante em 2012, quando a produção de energia a partir do vento bate a marca dos 10 TWh. No período de 12 meses terminado em Junho de 2013, revela a DGEG, a produção eólica já estava em 11,5 TWh, mais de 23 vezes o registado no longínquo ano de 2003.
Foi Sócrates o responsável?
Embora os números mostrem que há um antes e um depois de Sócrates na trajectória da indústria eólica em Portugal, a verdade é que o “boom” de 2005 não se explica unicamente pela chegada de José Sócrates à chefia do Governo, apoiado por Manuel Pinho na Economia.
Em 2005, concede António Sá da Costa, presidente da Apren – Associação de Energias Renováveis, “houve um salto”. Mas, realça Sá da Costa, o trabalho vem de trás. A construção deste Portugal amigo do vento teve também outros arquitectos. “Era Sócrates ministro do Ambiente, com Braga da Cruz na Economia e o Eduardo Oliveira Fernandes como secretário da Estado da Energia, quando foi publicado o programa E4 e saíram os decretos-lei de 2001 que fixaram as regras e remuneração tarifária”, recorda o presidente da Apren, em declarações ao Negócios.
A partir daí cresceu o interesse de diversos investidores privados em construir parques eólicos pelo País fora. O Governo de então, liderado por António Guterres, abriu períodos trimestrais para a apresentação de “Pedidos de informação prévia”, procedimentos que sinalizavam a intenção de avanço com novos projectos. “Na primeira dessas candidaturas, em Janeiro de 2002, houve pedidos que totalizavam 7.000 megawatts (MW)”, aponta Sá da Costa.
Sucede que em Abril de 2002 o Governo de Guterres cai, vindo depois dois governos incompletos de Durão Barroso e Santana Lopes. Em 2005 o Partido Socialista regressa ao poder e na agenda de José Sócrates estavam as renováveis. Aproveitando o trabalho feito previamente com o programa E4, o Executivo acelera a partir de 2005 o licenciamento eólico, a que se seguiria um plano de aproveitamento do potencial hidroeléctrico, que levaria a concurso licenças para uma dezena de novas barragens.
António Sá da Costa reconhece o relançamento eólico de 2005. “Sócrates e Manuel Pinho aproveitaram a onda”, descreve o presidente da Apren. Mas a onda acabou por se transformar em “tsunami”, agitando, anos mais tarde, o debate público sobre a sustentabilidade dos custos da electricidade em Portugal. Ganhou o País com a “descarbonização” da sua matriz energética? Perderam os consumidores com o agravamento da factura da electricidade?
“Houve excessos”
O ex-secretário de Estado da Energia, Henrique Gomes, ficou conhecido por ter questionado publicamente o poder da EDP no sector eléctrico nacional. Tomou posições firmes face ao que encontrou no panorama energético, mas acabou por sair a meio da legislatura. Henrique Gomes não contesta o interesse da aposta nas energias limpas. “A aposta nas renováveis e nomeadamente na eólica é correcta”, começa por afirmar. “Temos abrandado progressivamente o peso exagerado dos combustíveis fósseis”, prossegue. “Mas houve excessos”, sentencia.
“Na energia eólica avançámos depressa demais. Hoje temos um “mix” energético desequilibrado”, avalia Henrique Gomes, que aponta ao Negócios alguns erros que foram cometidos no passado e que se traduziram hoje em repercussões menos agradáveis na factura dos consumidores de electricidade.
Por um lado, nota o antigo governante, “não tivemos o cuidado de ir acompanhando mais prudentemente a curva de experiência dos investimentos”. Que é como quem diz: o País aceitou instalar uma quantidade enorme de potência eólica antes de a tecnologia amadurecer o suficiente para tornar os investimentos mais baratos e a respectiva remuneração baixar. “Estamos a pagar a energia eólica demasiado cara”, considera Henrique Gomes. Por outro lado, houve uma falta de atenção do Estado na gestão do andamento dos projectos, que permitiu que muitos parques eólicos demorassem anos a ser instalados, beneficiando, ainda assim, das tarifas mais elevadas concedidas anos antes.
“O que devia ter havido em Portugal era uma correcção relativamente à remuneração, que é, aliás, o que se está a verificar agora por toda a Europa”, sugere Henrique Gomes.
No âmbito do combate às rendas da energia o actual Governo procurou diminuir os custos futuros da energia eólica, firmando com os produtores um acordo mediante o qual eles pagarão uma contribuição anual (que será utilizada para diminuir o custo das eólicas para os consumidores), obtendo, em contrapartida, um período adicional de produção com tarifas protegidas (num intervalo de preço mínimo e máximo), além do prazo de 15 anos que cada parque tinha de remuneração garantida.
Custos… e proveitos
O debate sobre os benefícios e problemas da aposta nas eólicas não é de hoje. E entre quem comenta o tema os argumentos são recorrentes. A favor: as eólicas ajudam a reduzir as importações de combustíveis fósseis utilizados na produção de electricidade (carvão e gás natural), reduzem as emissões de dióxido de carbono do País e criam emprego (na construção dos parques eólicos mas, sobretudo, nas fábricas de componentes entretanto instaladas no País). Contra: as eólicas são intermitentes e não garantem segurança de abastecimento, grande parte dos equipamentos hoje instalados no País já foram importados e não produzidos cá, e, principalmente, são remuneradas com tarifas elevadas, numa factura a pagar pelo consumidor.
António Sá da Costa conhece bem os argumentos contra a aposta eólica em Portugal. “Apesar disso, acho positivo para a economia, porque passámos a emitir menos para a atmosfera, diminuímos as importações de combustíveis fósseis e criámos emprego”, comenta o presidente da Apren, num debate que dá pano para mangas.
A contabilização dos custos e proveitos das eólicas em Portugal é um exercício difícil. A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) anualmente publica a sua estimativa do sobrecusto ligado à produção do regime especial (PRE), onde se incluem as eólicas. Mas esse sobrecusto é o diferencial face a um preço de referência previsto para a electricidade transaccionada em mercado. Porém, se o preço da electricidade transaccionada em mercado é influenciado pela quantidade de energia que previamente satisfaz a procura (como sucede com a eólica, que tem garantida a injecção na rede), será a estimativa do regulador o indicador mais fiável para o que anda a custar aos portugueses a aposta na energia eólica?
Num debate tão polarizado quanto o da aposta nas renováveis, as questões têm sido levantadas pelos defensores e críticos quase ao mesmo ritmo a que a produção eólica vem crescendo na última década. O mais próximo da certeza, nesta história, acabam por ser as estatísticas (e mesmo essas não estão a salvo de reparos): segundo a REN – Redes Energéticas Nacionais, até ao passado dia 2 de Setembro, Portugal teve 60% da sua electricidade gerada a partir de fontes renováveis (sobretudo hídrica e eólica), contra 34% no ano passado. Quase uma década depois, a bandeira de José Sócrates transformou-se numa etiqueta verde: Portugal é hoje um País movido a electricidade amiga do ambiente. A que custo? O debate promete não terminar.
fonte:http://www.jornaldenegocios.pt/e